terça-feira, 29 de novembro de 2011

CIÊNCIA INVESTIGA "GOOGLES HUMANOS", PESSOAS QUE NUNCA ESQUECEM

 O americano Robert Petrella tem uma memória fora do comum: ele é capaz de memorizar todos os números de telefone armazenados em telefones celulares e, ao olhar uma única fotografia de um lance de um jogo do seu time de coração, o Pittsburgh Steelers, é capaz de dizer a data da partida e o escore final.
Petrella tem uma síndrome raríssima, chamada Memória Autobiográfica Altamente Superior (HSAM, na sigla em inglês), na qual o paciente não se esquece de quase nada do que aconteceu com ele na vida.
Quem tem essa condição é capaz de se lembrar o que comeu no almoço hoje ou três anos atrás, ou de recordar com detalhes as notícias que leu no jornal há décadas. Mesmo se quiserem, essas pessoas não podem apagar memórias como o fim de um namoro ou as lembranças de um acidente.
"Eu notei isso durante o ensino secundário, me dava conta que nem todos recordavam o que eu conseguia lembrar, e pensava que era algo incomum, como ser canhoto ou algo assim. Mais tarde, notei que isso tinha outra dimensão. Sempre tive facilidade nos exames, pois lembrava de tudo sem ter feito revisão dos tópicos", disse Petrella à BBC.
Para o americano, a síndrome acaba sendo bastante útil em sua profissão, já que ele é produtor de documentários para o History Channel e o Discovery Channel.
"Às vezes, me recordo de algo que alguém disse há 30 anos, coisas que as outras pessoas não lembrariam, porque foram ditas no momento, e isso pode tornar as relações raras", diz Petrella.
"Mas não tenho problemas em viver no passado. As recordações estão na minha cabeça e são parte de mim, mas não me impedem de viver o hoje e olhar para o futuro."

Programa de TV

A HSAM é tão difícil de ser identificada que até então apenas 20 pessoas no mundo – todas nos Estados Unidos – haviam sido diagnosticadas com ela.
Mas um programa sobre a síndrome exibido pela rede de TV americana CBS, e visto por pelo menos 24 milhões de pessoas, ampliou o conhecimento sobre a HSAM.
Desses telespectadores, 500 entraram em contato com os pesquisadores por acreditarem que tinham HSAM. Mas apenas 10 foram confirmadas com a síndrome.
Há apenas cinco anos essa condição começou a ser chamada de Memória Autobiográfica Altamente Superior, quando o especialista em memória James McGaugh publicou um artigo sobre seu estudo de seis anos de uma paciente com os sintomas.
O quadro já foi retratado na ficção, como no conto Funes, o Memorioso, do argentino Jorge Luis Borges, e na série de TV Unforgettable ("Inesquecível", em inglês), que acaba de estrear nos Estados Unidos.
"Provavelmente há pessoas com essa síndrome há séculos, mas suas bases nunca haviam sido investigadas cientificamente. É um quadro muito raro", afirmou McGaugh à BBC.
Para reconhecer a HSAM, os cientistas fazem testes médicos e avaliam os potenciais candidatos com um questionário de acontecimentos públicos ocorridos nos últimos 20 anos. Fatos que vão desde eleições a competições, passando pela a entrega de prêmios e até acidentes aéreos.
Uma pessoa com a Memória Autobiográfica Altamente Superior seria capaz de dizer a data precisa e o dia da semana em que os eventos ocorreram, além de outros detalhes.
Os que obtêm mais de 55% no teste são então interrogados sobre experiências mais pessoais.

'Google humano'

"A família nos dá fotos ou diários para que a gente tenha dados precisos e assim provar as informações das quais eles dizem se lembrar. É muito, muito difícil que um indivíduo que registre (dados como esse) além de um certo tempo, como um nível de detalhes tão específico", afirmou McGaugh.
Por isso, eles foram apelidados de "Googles humanos".
É o caso de Brad Williams, de 55 anos, que vive em Wisconsin. "Me dei conta (da síndrome) participando de concursos de perguntas em bares. Sou fanático por esses concursos e sempre fui melhor e mais rápido do que o restante das pessoas", disse Williams.
"Isso também acontece em episódios familiares: eu sempre consigo lembrar de datas específicas e detalhes de tudo."
Williams diz que ser ter HSAM lhe traz algumas vantagens específicas em seu trabalho como jornalista. "O que eu de fato preciso armazenar ou buscar na internet é um volume bem menor de informações do que o que já está na minha cabeça."
No entanto, nem todos os que possuem esse tipo de memória festejam sua condição.
É o caso de Jill Price, a paciente que procurou especialistas por não poder mais suportar seu constante exercício de se lembrar de tudo. Foi o caso dela que serviu de gatilho para os estudos.
"É incessante, incontrolável e imensamente cansativo. As lembranças vêm, simplesmente chegam na minha mente. Não posso controlá-las", escreveu Price em sua autobiografia The Woman Who Can’t Forget (A Mulher que Não Consegue Esquecer, em tradução livre do inglês).
Em seu caso, a HSAM acabou complicando suas relações com as pessoas. Entre os pacientes de McGaugh não há nenhum casado ou com relações estáveis.
No entanto, o especialista afirma que casos de insatisfação como os de Price são a minoria.
"A maioria acredita que é um dom. Se questionados se prefeririam não ter a síndrome, eles dizem que não mudariam isso por nada."

Busca no cérebro

Entre esses pacientes, está a atriz Marilu Henner, conhecida pela série de TV Táxi, do fim dos anos 1970. Para ela, visualizar a vida em forma de um calendário tornou mais fácil a tarefa de atuar.
A atriz agora dá palestras motivacionais e escreveu um livro para ajudar outras pessoas a ativar sua memória autobiográfica.
"Não tenho problemas em viver com o passado: as lembranças estão na minha cabeça e são parte de mim. Não me impedem de viver o hoje ou olhar para o futuro".
O neurobiólogo McGaugh considera, no entanto, que a HSAM é uma condição pré-existente, que se mantém ao longo do tempo e que ainda carece de explicações neurológicas.
Por ora, a recomendação aos portadores da síndrome é que não encarem sua condição como um grande peso e que não se exponham a circunstâncias traumáticas. Não são bons candidatos, por exemplo, para se alistarem no Exército ou seguir para a guerra.

Por: Valeria Perasso
Disponível em: http://noticias.bol.uol.com.br/ciencia/2011/11/29/ciencia-investiga-googles-humanos-pessoas-que-nunca-esquecem.jhtm

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