Claudia Hammond
Um dos mitos mais conhecidos sobre o cérebro é o de que
utilizamos apenas 10% de sua capacidade. É uma ideia atraente, pois sugere que
poderíamos ser muito mais inteligentes, bem sucedidos e criativos se
conseguíssemos aproveitar os outros 90% que podemos estar desperdiçando.
Infelizmente, isso não é verdade.
Não é bem claro a que se referem esses tais 10% de utilização.
Se a afirmação se refere a 10% de regiões cerebrais, é fácil de ser refutada.
Usando uma técnica chamada imagem de ressonância magnética
funcional, neurocientistas podem identificar as partes to cérebro que são
ativadas quando uma pessoa faz ou pensa em algo.
Nada ocioso
Se os 10% mencionados se referirem ao número de células do
cérebro, ainda assim a afirmação não procede.
Quando qualquer célula nervosa deixa de ser utilizada ela se
degenera e morre ou é colonizada por outras áreas vizinhas. Não permitimos que
as células de nosso cérebro fiquem ociosas. Elas são valiosas demais.
Segundo o neurocientista Sergio Della Sala, o cérebro necessita
de muitos recursos. Manter o tecido cerebral consome 20% de todo o oxigênio que
respiramos.
Como pode então uma ideia sem fundamento biológico ou
fisiológico ter conseguido se espalhar desse jeito? É difícil rastrear a fonte
original do mito.
O psicólogo e filósofo norte-americano William James escreveu no
livro As energias do homem que "utilizamos somente uma pequena parte de
nossos possíveis recursos mentais e físicos".
Ele pensava que as pessoas podiam progredir mais, porém não se
referia ao volume do cérebro nem à quantidade de células, tampouco a uma
porcentagem específica.
A referência aos 10% é feita em um prólogo da edição de 1936 do
popular livro de Dale Carnegie Como ganhar amigos e influenciar pessoas.
Algumas pessoas dizem que Albert Einstein foi a fonte da afirmação.
Della Sala tem tentado encontrar essa citação, mas ninguém que
trabalha no arquivo Albert Einstein pôde sequer confirmar que tenha existido.
Parece mais um outro mito.
Zona duvidosa
Existem dois fenômenos que talvez possam explicar o
mal-entendido. Nove de cada dez células do cérebro são do tipo neuróglias ou
células gliais, que são células de apoio, que provêm assistência física e
nutricional. Os outros 10% das células são os neurônios, que se encarregam de
"pensar".
Assim, talvez as pessoas tenham interpretado que os 10% das
células que se ocupam do trabalho duro de pensar poderiam aproveitar também as
neuróglias para aumentar a capacidade cerebral pensante. Só que essas células
são totalmente distintas e não podem simplesmente se transformar em neurônios
para nos dar mais potência mental.
Existem os 10% que pensam, e os 90% que ajudam a pensar.
Há, no entanto, um grupo de pacientes, cujas imagens do cérebro
revelaram algo extraordinário.
Em 1980, um pediatra britânico chamado John Lorber mencionou na
revista Science que alguns dos pacientes com hidrocefalia, que tinham muito
pouco tecido cerebral, ainda assim tinham um cérebro que podia funcionar.
O caso, sem dúvida, demonstra que todos nós podemos usar nossos
cérebros para fazer mais coisas do que sabemos, já que é sabido que as pessoas
se adaptam a circunstâncias extraordinárias.
É certo, claro, que se nos propusermos, podemos aprender coisas
novas. E cada vez há mais evidência que mostra que nosso cérebro muda. Porém,
não é que estejamos explorando uma nova área do cérebro. Acredita-se que quando
novas conexões entre as células nervosas são feitas, perdemos velhas conexões
quando já não as necessitamos.
O que mais intriga neste mito é que ele pode ter nascido e se
cristalizado com base em informação que não é correta.
Talvez falar em 10% seja uma forma atrativa porque oferece um
potencial enorme para se melhorar. Todos queremos ser melhores. E podemos, se
nos cuidarmos.
Porém nunca vai acontecer de encontramos uma porção de nosso
cérebro em desuso.
Fonte: noticias.bol.uol.com.br
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