Além de cantar a alegria e a tristeza sertaneja com poesia singular, Luiz Gonzaga foi um dos artistas que contribuiu para formar a identidade da música brasileira. Na visão do renomado pesquisador musical Ricardo Cravo Albin, Gonzagão tem a mesma dimensão de nomes como Ary Barroso, Pixinguinha, Tom Jobim e Chico Buarque. Nesta quinta-feira (13/12) o Brasil comemora os 100 anos do maior sanfoneiro do Brasil.
Luiz Gonzaga do Nascimento nasceu em 13 de dezembro de 1912 em Exu, Pernambuco. Segundo filho do casal Ana Batista, conhecida como Santana, e Januário, era lavrador e reconhecido sanfoneiro na região, Gonzaga foi chamado Luiz por ter nascido no dia de Santa Luzia; Gonzaga, por ser o complemento do nome de São Luiz; e Nascimento, por ser o mês de Natal, chamando-se então Luiz Gonzaga do Nascimento.
Luiz Gonzaga se apaixonou pela sanfona ainda na infância. Depois do trabalho na lavoura, o garoto Luiz Gonzaga, aos sete anos, apreciava o pai tocar o instrumento. Seu Januário, que também era tocador de fole e consertava instrumentos, incentivava os filhos a gostarem de música.
Januário dos Santos incentivou o filho à vida musical. Mais tarde, o Luiz Gonzaga prestaria homenagem ao pai com a música "Respeite Januário". Os versos da canção diz: "De Itaboca à Rancharia, de Salgueiro à Bodocó, Januário é o maior!"
Segundo Gildson Oliveira, um dos biógrafos do sanfoneiro, Dona Santana, mãe de Luiz Gonzaga, teria dito em certa ocasião que "só tivera o direito de ganhar o filho, porque ele seria do povo até a morte". Oliveira ainda conta que quando Gonzagão era bebê, uma cigana previu o destino do futuro Rei do Baião. A vidente teria dito: "Ele será do mundo; vai andar tanto, por cima e por baixo, que criará feridas nos pés".
Segundo informações do perfil biográfico do cantor lançado pela coleção "Abril Cultural", Gonzagão ganhou seu primeiro cachê ao tocar no casamento de um amigo, Seu Dezinho. O jovem sanfoneiro foi o destaque musical da festa e ganhou um elogio de Mestre Duda, o mais respeitado sanfoneiro de sua região: "Esse menino é um monstro pra tocar". Mais tarde o Rei do Baião declarou: "Foi o maior elogio que já recebi na minha vida". No final dos anos 40, com o sucesso estrondoso de "Asa Branca", Luiz Gonzaga foi convidado para integrar o elenco do filme "Este mundo é um pandeiro", de Watson Macedo.
No início dos anos 50, Luiz Gonzaga trocou o terno de casimira, sapato de verniz e gravata e assumiu o visual que o consagrou, com acessórios como: gibão de couro, cartucheira e sandálias, afirmando sua nordestinidade.
D. Helena, Gonzagão e Rosinha "a linda flor do sertão pernambucano". |
Um namoro mal sucedido foi o pontapé para o início da carreira do Rei do Baião fora de sua cidade, Exu. Nos anos 30, antes de completar 18 anos, Luiz Gonzaga se envolveu com uma garota de família branca, filha de Coronel, que não aceitou o relacionamento. O pai da jovem foi tirar satisfação com a mãe do sanfoneiro, que lhe deu uma surra. Gonzaga decidiu fugir para cidade de Crato, no Ceará. Lá, entrou para o 23º Batalhão de Caçadores. Em seguida, foi transferido para o sul de Minas Gerais, onde prestou prova para sanfoneiro da banda da Polícia Militar de Minas Gerais, mas foi reprovado porque não conhecia escala musical.
Rosinha, Gonzaguinha, Gonzagão e D. Helena |
Em 1939, Luiz Gonzaga teve que dar baixa no serviço militar, pois já tinha 10 anos de carreira no exército e o regulamento não permitia continuação. No mesmo ano, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde passou a se apresentar, tocando músicas da moda, como tangos, valsas e foxtrotes, no Bar Espanhol, no Mangue, zona de baixa prostituição carioca, em bares da Lapa e no subúrbio do Rio. Em seguida, passou a frequentar o programa "Calouros em desfile" de Ary Barroso na Rádio Tupi e "Papel carbono", de Renato Murce, na Rádio Clube.
No anos 60, com o surgimento da Bossa Nova, Luiz Gonzaga conheceu o ostracismo, suas composições perderam espaço e o sanfoneiro voltou a se apresentar em cidades interioranas. O Rei do Baião chamou novamente a atenção do púbico brasileiro no final dos anos 60 e início dos 70, quando Gilberto Gil, em entrevista ao poeta Augusto de Campos, declarou que Luiz Gonzaga era "a primeira grande coisa significativa do ponto de vista da cultura de massa no Brasil", Além disso, Caetano Veloso passou a declarar sua admiração pelo astro nordestino. Um boato também colaborou com a volta de Gonzagão: o radialista Carlos Imperial divulgou informação de que a banda de rock The Beatles gravaria "Asa Branca". Em 1971, em entrevista ao "Pasquim". o sanfoneiro declarou que chegou a receber cachê para falar sobre o assunto.
Certa vez, a caminho da Rádio Mayrink Veiga no Rio de Janeiro, Gonzagão teve roubada sua sanfona preta da marca Universal. O amigo e ídolo Antenógenes Silva lhe emprestou uma branca. A partir de então, o Rei do Baião passou a usar somente sanfona branca. Bem-humorado, assim que comprou um novo instrumento, mandou gravar a inscrição "É do povo", em homenagem ao ladrão. A história rendeu a composição do baião "Sanfona do povo". "Quem roubou minha sanfona, eu bem sei, foi alguém sem coração. Nesse dia eu não cantei, quase chorei, foi tão grande a emoção!", diz os versos da canção.
Na foto, Luiz Gonzaga e o filho, Gonzaguinha. Pai e filho tiveram relação conflituosa - Gonzaguinha, que era filho adotivo do Rei do Baião, perdeu a convivência com o pai ainda na infância, quando sua mãe, Odaléia, morreu. Helena, com quem o Rei do Baião se casou, não aceitou o filho do cantor nordestino. Mais tarde, a música reaproximou os dois.
Luiz Gonzaga posa com Edelzuita, o grande amor da última fase de sua vida. O cantor a conheceu em 1976. durante viagem de avião de Pernambuco a Brasília. Namorador nato, outras três mulheres - Nazarena, Odaléia e Helena - conquistaram o coração de Gonzagão. Sabendo da fama do amigo, o compositor Silvio Moacir de Araújo escreveu "Baião dos Namorados", que o cantor gravou em 1955. "Aos namorados queridos, ofereço este baião. Ai, baião, baião dos namorados... Tu estás em todos os lados dos corações em alegria".
Edificado em 1987, o Museu do Gonzagão só foi inaugurado após a morte do cantor, em 1989, por seu filho Gonzaguinha. Situado a 688 km do Recife, o visitante encontra sanfonas, gibões, discos e outros objetos do Rei do Baião, além de todo o acervo de músicas gravadas por ele. Está localizado entre duas casas que marcaram a vida do cantor: sua residência, onde morou até morrer, e a de Januário, seu pai. Ao lado desta última, encontra-se o mausoléu do músico e de sua família.
Vítima de pneumonia, o "Rei do Baião" morreu em 1989, no Recife, enquanto dormia. O artista participou de sua última festa junina em uma cadeira de rodas, pouco mais de um mês antes da morte. Durante o velório, a esposa de Gonzagão colocou sobre o caixão o gibão e o chapéu de couro que acompanhou o músico durante toda a carreira, emocionando milhares de fãs. O velho Lua transformou a seca e as dificuldades do povo nordestino em poesia, cantou o Nordeste e encantou todo o Brasil. O talento de Luiz Gonzaga, entretanto, permanece vivo e inspirando gerações.
Fonte: BOL
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