O procurador da República Oscar Costa Filho promete mover nesta quinta-feira, 3, uma ação civil pública para garantir aos candidatos do Enem 2012 a possibilidade de contestar na Justiça a nota da redação. A decisão veio após estudantes revoltados com a correção da prova se mobilizarem nas redes sociais e organizarem um abaixo-assinado pelo direito de interpor recursos contra o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) - órgão do Ministério da Educação (MEC) responsável pelo Enem.
"A partir da repercussão das manifestações dos estudantes, abriremos um procedimento jurídico e formalizaremos uma nova ação civil pública para que coletivamente os candidatos insatisfeitos com a pontuação possam contestar sua nota", diz Costa Filho, do Ministério Público Federal no Ceará. Ele acumula um histórico de ações contra o Enem, entre elas a tentativa de anular o exame de 2011 após o vazamento de questões do pré-teste em Fortaleza.
Segundo o procurador, permitir a revisão da nota da redação tornaria o Enem mais transparente. "Em todo concurso público é sagrado o direito da revisão", afirma. "Não adianta fazer uma maquiagem fornecendo um guia para os candidatos entenderem as notas e não permitir que a pontuação possa ser impugnada."
Ainda de acordo com Costa Filho, mesmo se o Inep descartar a possibilidade de revisão da nota, o candidato insatisfeito ainda poderá ingressar com ações individuais na Justiça pedindo a reconsideração da correção.
'Loteria'
Estudantes revoltados com a correção da prova organizaram passeatas em pelo menos 13 cidades do País na tarde desta quarta, 2. Os alunos querem que o MEC garanta o direito à vista da prova e a possibilidade de revisão dos textos para quem se sentir prejudicado.
Os protestos foram marcados pelo Facebook. Só o grupo "Ação Judicial - Redação Enem 2012" reunia 25,3 mil membros até as 12h15 desta quarta. A comunidade foi criada na última sexta-feira, após a divulgação dos boletins de desempenho dos candidatos do Enem.
A redação tem forte impacto na nota final do exame, que é utilizado como vestibular pela maioria das instituições públicas de ensino superior do País. As inscrições para as 129 mil vagas oferecidas pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) começam na segunda-feira, 7.
Os participantes do grupo lançaram um abaixo-assinado virtual para subsidiar uma eventual ação judicial com pedido de liminar contra a União e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC responsável pelo Enem. O documento, que já tem 8,5 mil assinaturas, deve ser entregue ao MPF e à Defensoria Pública da União (DPU) nesta quarta.
Na petição pública, os estudantes dizem querer a concessão de vista da prova de redação "em tempo hábil para contestação" bem como o direito a recurso administrativo. "Destacamos a necessidade de urgência da ação ante a necessidade de se inscrever no Sisu, que é o único critério para selecionar candidatos a vagas na maioria das universidades federais", afirma o documento.
O Inep não aceita pedidos de revisão da nota da redação. Segundo a Assessoria de Imprensa do MEC, neste ano será cumprido o Termo de Ajustamento de Conduta assinado com o MPF para que os candidatos tenham acesso ao espelho da correção da prova. A "vista pedagógica" estará disponível a partir de 6 de fevereiro, pela internet.
Ainda de acordo com o MEC, foram tomadas outras "medidas de aperfeiçoamento" na correção da redação. Entre elas a diminuição da discrepância entre as notas dadas pelos dois avaliadores para que o texto fosse lido por um terceiro corretor, além da criação de uma "segunda instância", ou seja, uma nova banca avaliadora, para os casos em que as discrepâncias persistiram após a análise do terceiro corretor. "Os critérios estavam bem definidos e todos os itens do edital foram seguidos", afirma o ministério.
Os alunos insatisfeitos com a correção, no entanto, dizem que não estão reclamando de notas baixas, mas de "notas injustas" e da "arbitrariedade" do Inep por não conceder possibilidade de revisão da pontuação. No Facebook, o grupo argumenta que "o problema da redação não é pontual e tem que ser resolvido com seriedade" pelo MEC. Segundo os estudantes, a correção funciona como um sorteio de loteria.
Os candidatos também apontam como possível solução o adiamento da divulgação do resultado da primeira chamada do Sisu, prevista para sair no dia 14, até que as provas sejam recorrigidas.
'Fator surpresa'
Os candidatos que fizeram o Enem nos dias 3 e 4 de novembro tiveram de escrever uma redação sobre movimentos de imigração para o Brasil no século 21. O tema foi considerado inesperado e difícil por alunos e professores. Especialistas consultados pelo Estado após a prova afirmaram que a complexidade poderia resultar em queda média do desempenho dos alunos.
A proposta trazia uma coletânea com informações sobre imigrantes do Haiti, que chegam ao País pelo Acre, e sobre a questão dos bolivianos no Brasil. Também havia menção aos movimentos de imigração dos séculos 19 e 20.
À época da prova, o professor Rogério Chociay, aposentado do departamento de Letras da Unesp e especialista em redação de vestibular, disse que houve uma "quebra de expectativa". "O tema está um tanto fora do eixo da maioria dos estudantes e além disso não há informações precisas se há de fato um movimento migratório", afirmou. "A proposta é perigosa pelo número de dúvidas. Ela ficou dependente dos textos de apoio e isso complica."
Para Caroline Andrade, do Cursinho da Poli, o tema surpreendeu e isso poderia atrapalhar o rendimento. "O inesperado pode causar insegurança e fazer com que a pessoa não consiga construir uma argumentação consistente", disse logo após o exame.
Criticado por docentes, a proposta da redação foi defendida pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante. "É um tema bastante contemporâneo, desafiador e não previsto. Porque as pessoas não podem só trabalhar com o previsível, é a formação abrangente que permite responder com criatividade e consistência, e a prova trazia alguns exemplos que ajudavam na reflexão", disse Mercadante.
Fonte: estadao.com.br
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