quinta-feira, 12 de junho de 2014

O Brasil no limite do improviso para a Copa

Por Blake Gopnik- The New York Times News Service/Syndicate

Mundial começa dividido entre brasileiros exaltados e ressentidos


Enquanto milhares foram às ruas em 2007 para comemorar a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo, greves raivosas param as maiores cidades (© Mauricio Lima New York Times)
Metroviários de SP fizeram paralisação dias antes do início da Copa do Mundo

RIO DE JANEIRO - A lista de conquistas do Brasil desde o fim do regime autoritário nos anos 1980 é tão longa quanto variada, incluindo programas de distribuição de renda que tiraram milhões da miséria, a eleição democrática de presidentes que sofreram indignidades durante o regime ditatorial e o crescimento robusto de uma agricultura tropical que ajuda a alimentar o mundo.

Mas, em vez de virem exaltações por tais triunfos no cenário global enquanto o país sedia a Copa do Mundo, o torneio de futebol que começa nesta quinta-feira com times de 32 países, deixa o Brasil rachado, com algumas pessoas sinceramente animadas com o evento enquanto outras fervem de ressentimento com seus custos inflados e impulsos na economia tímidos.

Enquanto milhares foram às ruas em 2007 para comemorar a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo, greves raivosas param as maiores cidades. Em São Paulo, que é palco da abertura com uma partida entre Brasil e Croácia, a Tropa de Choque usou gás lacrimogêneo na mesma semana do início do evento contra sindicalistas ligados ao Metrô. As lendas do esporte, de Ronaldo a Romário, expressam sua vergonha e repulsão pelos preparativos para o evento no país que já conquistou o torneio cinco vezes, mais que qualquer outra seleção.

“Esta foi a mais estranha atmosfera que eu já testemunhei na vida antes de uma Copa do Mundo, a apreensão e a apatia ameaçam a animação normal”, disse o historiador Antonio Risério, especialista em futebol e a forma como o esporte molda a identidade nacional.

Apenas 34% dos brasileiros acreditam que a Copa do Mundo ajudará a economia, que está no quarto ano seguido de crescimento desacelerado, de acordo com uma pesquisa do Pew Research Center. Trinta e nove por cento dizem que o evento vai, na verdade, prejudicar a imagem brasileira diante do mundo, de acordo com uma pesquisa direta realizada com 1.003 adultos selecionados aleatoriamente em todo o país.

Mais de 200 milhões de pessoas vivem no Brasil, a maior democracia latino-americana e um país com um número de opiniões sobre a Copa do Mundo à altura de sua população. Em uma entrevista na semana passada em Brasília, a presidente Dilma Rousseff defendeu o empréstimo de bancos estatais para a construção dos suntuosos estádios da Copa, dizendo que os brasileiros estavam prontos para acolher a competição.

“Quanto mais próximos estivermos da Copa, mais o Brasil mostrará sua paixão pelo futebol”, disse Dilma.
Policiais entraram em confronto com manifestantes durante a greve do Metrô em SP (© Mauricio Lima New York Times)
Policiais entraram em confronto com manifestantes durante a greve do Metrô em SP

Mas os sinais deste entusiasmo ainda permanecem de alguma forma esparsos. E com os analistas políticos discutindo sobre quanto o resultado da Copa do Mundo poderá influenciar as eleições presidenciais deste ano, o governo do PT claramente torce para que o desempenho da Seleção não seja abalado pelos grandes problemas que circundam a competição.

Parte da sensação de mal estar é sobre as próprias preparações para a Copa do Mundo, mas também reflete uma angústia profunda e fundamentada na direção que o país toma, enquanto dificuldades econômicas persistem em meio à onda de protestos contra o governo, refletindo as demandas da crescente classe média por melhores serviços públicos. As divisões se manifestam de maneiras improváveis. Enquanto muitos brasileiros expressam o seu apoio por uma seleção de futebol que há muito tempo é a paixão e o orgulho nacionais, outros colocam para fora seu descontentamento com o fato de o esporte ter sido colocado acima de outras prioridades.

Antes do amistoso de sexta-feira (6) entre Brasil e Sérvia, a greve no Metrô de São Paulo afetou milhões de trabalhadores. Despertando o temor de mais uma revolta generalizada, a Polícia Militar dispersou grevistas usando cassetetes, em cenas gravadas com smartphones e espalhadas nas redes sociais.

O jogo da seleção decepcionou, também. Torcedores brasileiros que foram ao Morumbi vaiaram Neymar, 22 anos, estrela do Brasil, que venceu por 1 a 0.

A zombaria voltada a astros que normalmente são tratados como semideuses surgiu com o desencantamento com a podridão da atual estrutura do futebol no país, maculada por suas ligações com a escandalosa Fifa, a organização que coordena o futebol internacional e a Copa do Mundo, e pelas revelações de subornos envolvendo as autoridades do futebol brasileiro.

Enquanto a Seleção ainda é bem recebida em muitos lugares, os jogadores tiveram que passar por uma aglomeração de manifestantes no Rio de Janeiro em seu caminho para o luxuoso campo de treinamento na Serra Fluminense. As palavras de ordem entoadas pelos professores em greve diziam: “Um educador vale mais que um Neymar”.

“Aquela conversa de que a Seleção é um patrimônio do Brasil, a afirmação de nossa identidade, civilidade e cordialidade ninguém engole mais”, diz o colunista do jornal ‘O Globo’ Arnaldo Bloch.

Apesar da tensão que cerca a Copa, muitos brasileiros argumentam que o país tem tradição de dar uma recepção calorosa aos turistas estrangeiros e resolver de última hora eventos complexos como os Jogos Pan-Americanos de 2007 ou a Jornada Mundial da Juventude do ano passado, um encontro internacional de jovens católicos que teve como ponto alto a presença do Papa Francisco.

Se o Brasil começar a vencer, alguns sustentam que o otimismo em relação à primeira Copa do Mundo no país desde 1950 vai aflorar e, facilmente, exceder as baixas expectativas. “As pessoas estão preocupadas com o quanto foi gasto”, disse José Evaraldo Bezerra, 48 anos, um porteiro em um prédio residencial de Brasília. “Mas na hora em que assistirmos o primeiro jogo vai começar a festa.”

Para o alívio das autoridades que acreditam que o Brasil vai dar um grande show apesar dos aeroportos e dos sistemas de transporte inacabados, as ruas em algumas regiões das cidades brasileiras estão finalmente sendo enfeitadas com faixas verde e amarelas, cores da bandeira nacional.

Ainda assim, muitos brasileiros afirmam que a decoração é menos grandiosa que a de outras Copas do Mundo. Nos Jardins, bairro de elite em São Paulo, muitos donos de lojas optaram por não colocar estes adornos por medo de que seus estabelecimentos fossem alvo dos manifestantes contrários à Copa, declarou a presidente da Associação Comercial da região, Rosangela Lyra.

Os protestos de massa nas ruas contra a corrupção no governo e os gastos com a Copa do Mundo que agitaram as cidades brasileiras em junho passado se transformaram em protestos menores, geralmente liderados por grupos extremistas.

Ainda assim, a raiva ainda é generalizada com os estimados US$ 11 bilhões (cerca de R$ 25 bilhões) que custou sediar o torneio, incluindo os empréstimos subsidiados para estádios em cidades como a capital Brasília, Cuiabá -- um centro de agronegócios remoto -- e Manaus, um polo industrial encravado bem no meio da Amazônia, com pouca tradição de futebol e torcida.
Mais de 100 mil pessoas comemoraram em Manaus quando a cidade foi escolhida como cidade-sede, mas este sentimento mudou. “Por que uma cidade como Manaus precisa de um luxuoso e caríssimo estádio quando a alguns metros dele há o bairro Alvorada, sem calçadas e esgoto tratado?”, perguntou o escritor manauara Milton Hatoum.

O desânimo em relação à Copa é ainda reforçado pela consternação relacionada aos atrasos e aumento dos custos das Olimpíadas de 2016 no Rio. O México foi o último país na América Latina a sediar estes eventos em sequência, tendo recebido as Olimpíadas em 1968 e a Copa do Mundo em 1970, quando o governo local tentou projetar suas ambições como uma potência emergente do mundo desenvolvido.

Estas ambições foram comprometidas quando forças de segurança massacraram manifestações pró-democracia na praça Tlatelolco, na Cidade do México, dez dias antes da abertura das Olimpíadas de 1968. Enquanto as ações repressivas da polícia brasileira não chegaram nem perto daquela violência, a persistência das manifestações colocou as reivindicações em evidência.

“As mensagens difusas que se integraram é de que os brasileiros querem serviços públicos tão bons quanto os estádios que a Fifa recebeu para fazer a Copa do Mundo”, disse o professor de história brasileira da Universidade de Illinois, Jerry Dávila.

Enquanto as reclamações a respeito da qualidade dos serviços públicos do Brasil se transformou em um esporte nacional, o debate a respeito de sediar a Copa também ficou mais sensível à forma como o país se percebe e em como é visto no exterior.

No que pode acabar sendo um dos legados da Copa do Mundo e, talvez, até uma parábola para outros países que tenham ambições de sediar o torneio, alguns atores da bem-sucedida, porém imperfeita, democracia brasileira questionam por que o país se comprometeu com a realização de um compromisso tão difícil enquanto suas instituições já têm tanta dificuldade de resolver problemas muito mais simples.

“Nós somos o país do improviso e esta mesma característica que faz com que nosso futebol brilhe nos coloca em uma posição idílica em relação a qualquer projeto”, disse o editor da revista Época, Helio Gurovitz. “Nosso planejamento é ruim, nosso monitoramento é ainda pior, nós deixamos tudo para a última hora e acreditamos que tudo vai acabar dando certo no fim”, acrescentou. “Até que, um dia, não dá.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário