quinta-feira, 24 de julho de 2014

Descongestionante nasal vicia e pode mascarar males maiores, dizem médicos

Cármen Guaresemin
Do UOL, em São Paulo
  • Thinkstock
    Crianças menores de 12 anos não devem usar descongestionante nasal sem acompanhamento
    Crianças menores de 12 anos não devem usar descongestionante nasal sem acompanhamento
Seja verão ou inverno, quando surge a baixa umidade do ar ou aumentam os problemas respiratórios graças aos casos de gripes, resfriados e rinites, o nariz entupido é o sintoma mais comum e incômodo. A maioria das pessoas não pensa duas vezes em ir à farmácia e comprar um descongestionante nasal por conta própria, achando que usar o produto sem acompanhamento médico não trará problema.

E assim começa um dos casos mais clássicos de "vício" em um medicamento, com direito até a declarações em páginas de redes sociais como o "Clube dos Viciados" de um descongestionante conhecido.

"O descongestionante nasal deve ser usado por, no máximo, cinco dias consecutivos, e de oito em oito horas. Se a pessoa continuar a usá-lo, haverá um efeito rebote: para de tomar e o nariz entope novamente e só melhora se pingar o remédio para desobstruir. A pessoa já leva o medicamento no bolso e acaba encurtando os intervalos de aplicação", conta a pediatra Edina Mariko Koga da Silva é diretora do Centro Cochrane do Brasil, uma organização não governamental que elabora, mantem e divulga revisões sistemáticas de ensaios clínicos.

A médica frisa que as pessoas tomam sem sequer ler a bula, não procuram um médico e, assim, o uso do medicamento torna-se crônico. Ela também lembra que os que sofrem mais são aquela que moram em grandes centros urbanos, por causa da poluição. "Também há o problema dos 'edifícios doentes'", afirma.  

Ela se refere à má qualidade do ar interno de alguns edifícios, o que passou a ser conhecido mundialmente como "Síndrome dos Edifícios Doentes", decorrência de uma conjunção de fatores que vão desde os problemas no projeto até a má conservação dos dutos e dos aparelhos de ar-condicionado, causando dois tipos básicos de contaminação: a biológica por fungos, bactérias, vírus e protozoários e até mesmo aracnídeos como é o caso dos ácaros e, a química proveniente de gases liberados por produtos de limpeza, vernizes, tintas, equipamentos de escritório, colas, aumento no nível de dióxido de carbono etc.


Sem controle

O otorrinolaringologista Antônio Carlos Cedin, chefe do serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Beneficência Portuguesa e Presidente da Sociedade Paulista de Otorrinolaringologia, também alerta que o descongestionante nasal, hoje em dia, é um dos principais itens com os quais as pessoas se automedicam, pois é vendido livremente e sem controle.

"Quando há contração da circulação dos vasos sanguíneos, o sangue não chega à cavidade do nariz. É o caso da rinite alérgica, quando os tecidos nasais incham, impedindo que o sangue chegue. A pessoa usa o descongestionante e melhora, mas o efeito é passageiro. Quanto mais potente o remédio, a dilatação volta mais forte. Se usado sem prescrição correta e por tempo prolongado, as pessoas têm maior facilidade de se tornarem dependentes. É uma dependência física, química e psicológica, porque proporciona uma satisfação no respirar", enfatiza o médico.


Contraindicação

É preciso lembrar que o descongestionante nasal é contraindicado para quem tem problemas na próstata, hipertensão e arritmia cardíaca e pode causar retenção urinária e insônia.  "Em menores de um ano o descongestionante pode gerar até mesmo convulsões", avisa Cedin.

No caso de rinite, o otorrinolaringologista comenta que medicamentos via oral, como antialérgicos, regulariam o entupimento nasal. Porém, frisa que é preciso fazer um diagnóstico correto do motivo da obstrução, tratar essa situação de dependência e descobrir o fator desencadeador.  

Cedin é enfático: "Se for uma queixa recorrente, não pode simplesmente comprar na farmácia e se automedicar, o que pode até mascarar algo mais sério. É preciso muito critério e indicação médica. O uso deve ser feito em alguns casos e sempre num curtíssimo espaço de tempo".

Quando o problema for algo grave, ele recomenda tratar com medicamento ou cirurgia, como nos casos de desvio do septo ou adenoides (duas pequenas glândulas compostas por tecido linfoide, semelhantes às amígdalas e aos linfonodos) que se crescerem muito e podem causar obstrução da passagem do ar respirado pelo nariz.

"Se a pessoa for para a praia, tirar umas férias e mudar de ares, por exemplo, a rinite melhora bastante. Para ajudar a desobstruir o nariz no dia a dia, o indicado é o soro fisiológico e a solução salina no lugar do descongestionante", ensina a pediatra.  

Estudo

Um estudo realizado no exterior, em 2009, pelo Instituto Cochrane mostrou que a utilização do medicamento traz uma porcentagem de melhora muito baixa. Aqui o resumo da pesquisa:

"O resfriado é a razão mais comum de doenças entre os adultos, que podem experimentar de dois a quatro episódios por ano. Por enquanto, ainda não há cura para este mal, assim, a diminuição de seus sintomas é o foco do tratamento. A congestão nasal é o sintoma mais comum. Descongestionantes orais ou nasais são frequentemente utilizados.

Sete ensaios foram feitos para determinar o benefício de uma dose de descongestionante, mostrando uma melhoria de 6 % nos sintomas relatados. A melhoria nos sintomas continuou em 4 % das pessoas mesmo após três a cinco dias de uso. Essas melhorias foram conseguidas graças à redução na resistência das vias aéreas nasais.

Dois ensaios foram usados para determinar a probabilidade de efeitos adversos do uso de descongestionantes sobre o tratamento não eram mais prováveis do que com placebo. O efeito adverso mais comum no tratamento foi insônia (5%). Analisamos o uso de descongestionantes em crianças, mas apesar da alta incidência do resfriado comum entre elas, não havia provas desse medicamento ser adequado para a inclusão. Descongestionantes fornecem alívio de curto prazo de obstrução nasal para adultos com resfriado comum, mas não são recomendados para crianças menores de 12 anos".


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