Renan Abbade
O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na última quarta-feira (26), o Projeto de Lei 6738/13, do Poder Executivo, que reserva 20% das vagas em concursos públicos da administração direta e indireta da União a candidatos negros que assim se declararem na inscrição. O texto teve o apoio de 314 deputados e o voto contrário de 36 deputados, com 6 abstenções. A proposta seguirá agora para o Senado.
A medida abrange os cargos efetivos e empregos públicos, inclusive em autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União.
Os deputados rejeitaram todas as emendas apresentadas ao texto, inclusive duas aprovadas pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias, com parecer do deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP). Uma delas estendia a reserva de vagas aos cargos em comissão da esfera federal e a outra subdividia a cota, nos concursos públicos, entre os que concluíram o ensino médio em escola privada (25%) e em escola pública (75%). As iniciativas dessas emendas partiram dos deputados Luiz Alberto (PT-BA), Janete Rocha Pietá (PT-SP) e Pastor Eurico (PSB-PE).
Validade
Os editais já publicados quando a futura lei entrar em vigor não serão abrangidos pela nova regra, que terá a duração de dez anos.
A reserva deverá ser informada no edital e ocorrerá sempre que o número total de vagas for igual ou superior a três, ajustando-se a fração para o número inteiro seguinte (maior que 0,5) ou anterior (até 0,5).
A sistemática criada pelo projeto permite a um candidato negro concorrer às vagas reservadas e também às demais vagas, exceto para pessoas com deficiência.
Dessa forma, o candidato negro poderá se enquadrar em um caso ou outro conforme sua classificação no concurso. Se um candidato negro ocupar uma vaga destinada à ampla concorrência, ela não será debitada do número de vagas reservadas.
Como vai funcionar
Segundo o projeto, poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE).
Se, posteriormente, for constatado que a declaração é falsa, o candidato será eliminado do concurso ou, se nomeado, a contratação será anulada. Nesse processo, deverá ser assegurado a ele o contraditório e a ampla defesa, mas se ficar comprovada a falsidade, o candidato poderá sofrer outras sanções cabíveis na esfera jurídica.
Vagas redistribuídas
Caso não haja número de candidatos negros aprovados em montante igual às vagas reservadas, as remanescentes serão revertidas para a ampla concorrência e preenchidas segundo a ordem de classificação.
Caberá à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial avaliar anualmente o cumprimento da sistemática.
Polêmica
Segundo o relator pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, deputado Vicentinho (PT-SP), as universidades que já aplicam o sistema de cotas avaliam que o aproveitamento dos negros é igual ou melhor que qualquer outro aluno branco ou “filho de rico”. “Este projeto é o resultado de uma luta de negros e brancos, que não aceitam a persistência das diferenças de oportunidades. O mínimo que essa Casa pode fazer é votar este projeto, que abre um caminho”, afirmou.
Vicentinho disse esperar que não seja necessário renovar o sistema de cotas depois de dez anos. O deputado ainda lembrou que a desigualdade racial está presente até na Câmara. “Eu falo isso na condição de deputado negro que é, salvo engano, o primeiro negro a assumir a liderança de uma bancada”, afirmou.
As poucas vozes dissonantes criticaram bastante a proposta. O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) disse que a medida é “racista, separatista e imoral”.
A outra voz contrária ao projeto veio do deputado Silvio Costa (PSC-PE), para quem a questão racial não é mais importante do que a questão social no país. “No sertão de Pernambuco, onde há influência de colonização holandesa, os brancos é que são pobres. Então, os filhos dos negros ricos serão privilegiados em detrimento dos filhos dos brancos pobres”, criticou.
Já o deputado Marcos Rogério (PDT-RO) disse que o projeto é inconstitucional. "Essa é uma proposta inconstitucional, fere a Constituição Federal, que estabelece como garantia a isonomia. O artigo 5º diz que todos são iguais sem distinção de qualquer natureza."
A maioria dos deputados, no entanto, defendeu o texto. Para o relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), a medida vai permitir um futuro de igualdade. Ele disse que não é possível contestar os dados que confirmam a diferença racial. “Os dados mostram que os negros são mais de 50% da população, mas preenchem cerca de 30% dos cargos efetivos do governo federal”, disse.
Para Picciani, as cotas também buscam sanar consequências do período em que o País escravizou a população negra. "É uma grande vitória do Brasil, o reencontro do Brasil com sua história. O Brasil foi o último país do mundo ocidental a abolir a escravatura. Isso traz consequências para população negra até hoje.”
A votação foi acompanhada, das galerias do Plenário, por manifestantes que gritaram “cotas já”.
A líder do PCdoB, deputada Jandira Feghali (RJ), disse que a cota para negros no serviço público não é uma novidade. “Ela já existe em vários estados e municípios”, afirmou. Jandira Feghali disse que o partido votou a favor do projeto e que é preciso tratar de maneira desigual os desiguais. “As mulheres são 10% desta Casa, mas são a maioria da população. O tratamento igual mantém a desigualdade”, disse.
Para o deputado Glauber Braga (PSB-RJ), o projeto é mais um passo para reafirmar as políticas de ação afirmativa existentes no País.
Já o deputado Domingos Sávio (PSDB-MG) criticou o fato de a necessidade de cotas demonstrar que o governo não conseguiu avançar nos indicadores sociais. “Temos de fazer mais do que cotas, ter política para acabar com a desigualdade. Essa política de cotas demonstra que somos um país desigual e precisamos investir mais em educação”, disse.
O líder do Psol, deputado Ivan Valente (SP), lembrou que as cotas nas universidades públicas são uma experiência bem-sucedida. “A Unicamp fez uma pesquisa e constatou que os alunos que entraram nesse sistema tiveram desempenho melhor do que os que não foram beneficiados”, disse.
Já o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) criticou a meritocracia dos concursos públicos porque "só inclui quem teve condições de estudar nas melhores escolas". “Como pode haver meritocracia se negros e pobres não estudam nos colégios ricos? É meritocracia de uma parte da sociedade”, disse.
Com informações da Agência Câmara de Notícias
Fonte: jcconcursos.bol.uol.com.br
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