domingo, 15 de março de 2015

ÍCONES DA MÚSICA BRASILEIRA: PATATIVA DO ASSARÉ

Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré (Assaré, 5 de março de 1909 — Assaré, 8 de julho de 2002), foi um poeta popular, compositor, cantor e improvisador brasileiro.

Uma das principais figuras da música nordestina do século XX. Segundo filho de uma família pobre que vivia da agricultura de subsistência, cedo ficou cego do olho direito por causa de uma doença. Com a morte de seu pai, quando tinha oito anos de idade, passou a ajudar sua família no cultivo das terras. Aos doze anos, frequentava a escola local, em qual foi alfabetizado, por apenas alguns meses. A partir dessa época, começou a fazer repentes e a se apresentar em festas e ocasiões importantes. Por volta dos vinte anos recebeu o pseudônimo de Patativa, por ser sua poesia comparável à beleza do canto dessa ave.

Indo constantemente à Feira do Crato onde participava do programa da Rádio Araripe, declamando seus poemas. Numa destas ocasiões é ouvido por José Arraes de Alencar que, convencido de seu potencial, lhe dá o apoio e o incentivo para a publicação de seu primeiro livro, Inspiração Nordestina, de 1956.

Este livro teria uma segunda edição com acréscimos em 1967, passando a se chamar Cantos do Patativa. Em 1970 é lançada nova coletânea de poemas, Patativa do Assaré: novos poemas comentados, e em 1978 foi lançado Cante lá que eu canto cá. Os outros dois livros, Ispinho e Fulô e Aqui tem coisa, foram lançados respectivamente nos anos de 1988 e 1994. Foi casado com Belinha, com quem teve nove filhos. Faleceu na mesma cidade onde nasceu.

Obteve popularidade a nível nacional, possuindo diversas premiações, títulos e homenagens (tendo sido nomeado por cinco vezes Doutor Honoris Causa). No entanto, afirmava nunca ter buscado a fama, bem como nunca ter tido a intenção de fazer profissão de seus versos. Patativa nunca deixou de ser agricultor e de morar na mesma região onde se criou (Cariri) no interior do Ceará. Seu trabalho se distingue pela marcante característica da oralidade. Seus poemas eram feitos e guardados na memória, para depois serem recitados. Daí o impressionante poder de memória de Patativa, capaz de recitar qualquer um de seus poemas, mesmo após os noventa anos de idade.

A transcrição de sua obra para os meios gráficos perde boa parte da significação expressa por meios não-verbais (voz, entonação, pausas, ritmo, pigarro e a linguagem corporal através de expressões faciais, gestos) que realçam características expressas somente no ato performático (como ironia, veemência, hesitação, etc.). A complexidade da obra de Patativa é evidente também pela sua capacidade de criar versos tanto nos moldes camonianos (inclusive sonetos na forma clássica), como poesia de rima e métrica populares (por exemplo, a décima e a sextilha nordestina). Ele próprio diferenciava seus versos feitos em linguagem culta daqueles em linguagem do dia a dia (denominada por ele de poesia "matuta").

Em 1979, Patativa do Assaré se apresentou no Teatro José de Alencar sob a produção artística do amigo Raimundo Fagner. De posse de um gravador, Fagner editou o show e a CBS lançou o LP "Poemas e Canções". (Wikipédia)


UM POUCO MAIS SOBRE PATATIVA

Publicou Inspiração Nordestina, em 1956, Cantos de Patativa, em 1966. Em 1970, Figueiredo Filho publicou seus poemas comentados Patativa do Assaré. Tem inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais.

Está sendo estudado na Sorbonne, na cadeira da Literatura Popular Universal, sob a regência do Professor Raymond Cantel. Patativa do Assaré era unanimidade no papel de poeta mais popular do Brasil.
Para chegar onde chegou, tinha uma receita prosaica: dizia que para ser poeta não era preciso ser professor. "Basta, no mês de maio, recolher um poema em cada flor brotada nas árvores do seu sertão", declamava.

Cresceu ouvindo histórias, os ponteios da viola e folhetos de cordel. Em pouco tempo, a fama de menino violeiro se espalhou. Com oito anos trocou uma ovelha do pai por uma viola. Dez anos depois, viajou para o Pará e enfrentou muita peleja com cantadores. Quando voltou, estava consagrado: era o Patativa do Assaré.

Nessa época os poetas populares vicejavam e muitos eram chamados de "patativas" porque viviam cantando versos. Ele era apenas um deles. Para ser melhor identificado, adotou o nome de sua cidade.

Filho de pequenos proprietários rurais, Patativa, nascido Antônio Gonçalves da Silva em Assaré, a 490 quilômetros de Fortaleza, inspirou músicos da velha e da nova geração e rendeu livros, biografias, estudos em universidades estrangeiras e peças de teatro.

Também pudera. Ninguém soube tão bem cantar em verso e prosa os contrastes do sertão nordestino e a beleza de sua natureza. Talvez por isso, Patativa ainda influencie a arte feita hoje. O grupo pernambucano da nova geração "Cordel do Fogo Encantado" bebe na fonte do poeta para compor suas letras.

Luiz Gonzaga gravou muitas músicas dele, entre elas a que lançou Patativa comercialmente, "A triste partida". Há até quem compare as rimas e maneira de descrever as diferenças sociais do Brasil com as músicas do rapper carioca Gabriel Pensador.

No teatro, sua vida foi tema da peça infantil "Patativa do Assaré - o cearense do século", de Gilmar de Carvalho, e seu poema "Meu querido jumento", do espetáculo de mesmo nome de Amir Haddad. Sobre sua vida, a obra mais recente é "Poeta do Povo - Vida e obra de Patativa do Assaré" (Ed. CPC-Umes/2000), assinada pelo jornalista e pesquisador Assis Angelo, que reúne, além de obras inéditas, um ensaio fotográfico e um CD.


Como todo bom sertanejo, Patativa começou a trabalhar duro na enxada ainda menino, mesmo tendo perdido um olho aos 4 anos. No livro "Cante lá que eu canto cá", o poeta dizia que no sertão enfrentava a fome, a dor e a miséria, e que para "ser poeta de vera é preciso ter sofrimento".

Patativa só passou seis meses na escola. Isso não o impediu de ser Doutor Honoris Causa de pelo menos três universidades. Não teve estudo, mas discutia com maestria a arte de versejar.

Desde os 91 anos de idade com a saúde abalada por uma queda e a memória começando a faltar, Patativa dizia que não escrevia mais porque, ao longo de sua vida, "já disse tudo que tinha de dizer". Patativa morreu em 08 de julho de 2002 na cidade que lhe emprestava o nome.

Um sertanejo universal

Clerton Martins e Henrique Rocha falam dos significados da obra de Patativa

A obra de Patativa do Assaré tem como principais características a interpretação e o registro do espaço natural onde ele viveu. As temáticas e conflitos encontrados em sua poesia estão intimamente associados ao ambiente ao qual pertenceu e à sua vivência cotidiana de agricultor.

O tempo de Patativa dedicado ao trabalho no campo é o mesmo dedicado a construir suas rimas, acertar suas métricas e afinar seu ritmo. Fica-se assim sem saber o que era ócio criador ou o que era trabalho, ou que, sabiamente, fazem os homens sensíveis: transformam tempo monótono em tempos ricos de re-criação.

Como observou Gilmar de Carvalho, Patativa foi o "camponês de mão grossa, e fina sensibilidade que encontrava na comunhão com a terra a força que seu verso emanava". É a partir deste sentido de apropriação de lugar através da poesia, que destacamos alguns temas recorrentes na poesia de Patativa que fazem de sua produção literária um referencial descritivo para o leitor e revelador dos sentidos do poeta, na apropriação dos ambientes na sua memória.

A poesia de Patativa é impregnada de força telúrica revelada, ora pela permanência de sua força oral, ora pela distinção em que os poemas são grafados, conservando as características principais da fala. Ele possuía uma visão cosmológica de seu lugar, um sentido de apropriação que o fez permanecer a vida toda no ambiente onde se identificava e se inspirava, se reconhecia e podia exercer sua ética sertaneja.

A modernidade e seus impactos não escaparam à observação de Patativa que assumiu uma forma de medição entre sua experiência humana individual e a experiência coletiva. A forma incisiva com a qual Patativa trata as relações de trabalho em sua poesia, em particular, o sistema fundiário, fez com que ele chegasse a ser considerado subversivo.

Mesmo correndo o risco de ser tachado de comunista, situação que rebatia, prontamente, Patativa não poupou críticas à dominação econômica sofrida pelos trabalhadores rurais. Uma poesia comprometida com a terra, porque é nela que ele investe seu tempo e trabalho. Foi especialmente durante a lida na roça que criou boa parte de sua obra.

Porém, o trabalho associado à condição do homem rural no interior nordestino, não é visto pelo poeta sempre sob a perspectiva do sacrifício e das relações de sujeição. Podemos ver alguns sinais da ética sertaneja defendida por Patativa, bem como referências à realidade do trabalho do vaqueiro na fazenda de gado, como o ofício passado de pai pra filho, fidelidade ao patrão (não por subserviência, mas pelo esquema de recompensa do trabalho através das partilhas).

O processo de apropriação do ambiente por Patativa do Assaré remete à transformação do espaço em lugar significativo a partir da experiência do poeta que evoca as características intrínsecas de um espaço que é transformado em lugar. A extensão da apropriação pode ser observada em processos de identificação espacial e composição simbólica. Desta forma, na leitura de sua obra é possível, sem muito esforço, entender a dimensão da importância do ambiente na constituição estética de sua poesia.

A diversidade temática de sua produção é marcante, revelando seu interesse pelos acontecimentos do cotidiano local, mas também do mundo global. Este sentido de ser e estar no mundo produziu conteúdos de onde se pode extrair situações de sofrimento, prazer e desprazer que podem ser enxergadas nas entrelinhas do discurso poético de Patativa.

A interatividade em Patativa tem um sentido que remete à própria história de vida deste personagem pela incessante lida do poeta-agricultor com o seu ambiente de inspiração artística. Esta vivência com seu lugar natural proporcionou a Patativa um domínio e conhecimento do seu espaço e conseqüente apropriação imperativa. Chegou a dizer, muitas vezes, que não lhe agradava a idéia de comercializar sua poesia, algo que nos soa como uma associação ao seu lugar que não poderia ser negociado.

O universo descrito por Patativa do Assaré revela-se como um vasto campo de possibilidades de entendimento e de despertar de sensações. Sua obra poética mostra que, mesmo percorrendo caminhos tão peculiares como é o da poesia popular - gerada a partir da oralidade e que na transcrição para o suporte gráfico procura manter as características originais da fala -, é possível articular interseções entre um conhecimento destituído de formalidade e apegado a emoções com o conhecimento resultado da elaboração teóricas.

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