Do UOL, em São Paulo
Quando se fala em vida fora da Terra, a primeira possibilidade que vem à mente dos cientistas é Marte, o mais parecido com o nosso planeta no Sistema Solar.
A Nasa (agência espacial americana) anunciou que pretende enviar pessoas ao Planeta Vermelho até 2030. E uma organização holandesa conseguiu 10 mil inscrições para uma seleção que promete premiar 24 voluntários com uma viagem só de ida para participar de um reality show em solo marciano.
Apesar de tanta empolgação, viver no planeta é bem mais difícil do que parece. "Há vários fatores deletérios para a vida na superfície de Marte: temperaturas extremamente baixas, de -120ºC a +20ºC, atmosfera praticamente inexistente e feita quase que somente de gás carbônico (CO2) e uma altíssima incidência de radiação, tanto na forma de luz ultravioleta do Sol, quanto na forma de partículas, produzidas em explosões solares e de raios cósmicos", descreve Douglas Galante, pesquisador de astrobiologia do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).
Os desafios são grandes, mas o pesquisador é otimista: "É um ambiente parecido com o que existe no espaço, em órbita terrestre, onde está a Estação Espacial Internacional. Temos a tecnologia para driblar a maioria desses problemas", declara Galante, que também é ligado ao Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP).
Tecnologias em estudo
Há vários estudos em andamento para driblar os desafios da vida em Marte. Para resolver a falta de oxigênio e a atmosfera tênue, por exemplo, os cientistas acreditam que é possível extrair elementos das rochas marcianas e produzir os gases necessários para respirarmos dentro de cúpulas ou estações.
Há quem diga que a temperatura de Marte seria o menor dos problemas a serem enfrentados, já que o ser humano é craque em aquecer planetas com sua capacidade intrínseca de provocar o efeito estufa. Para o pesquisador do LNLS, porém, a solução seria mais limpa: envolveria fontes de energia como fissão ou fusão nuclear, ou, ainda, painéis solares mais eficientes e duráveis que os atuais.
Já quando o assunto é a radiação, a coisa emperra. "Não temos a tecnologia, atualmente, para criar uma blindagem efetiva contra a radiação a um custo baixo e um peso compatível com o que uma nave conseguiria carregar. Atualmente, a melhor opção seria, na superfície de Marte, abrigar-se em cavernas naturais", comenta Galante.
"Por não ter um campo magnético como a Terra, ou uma atmosfera espessa, Marte é muito mais exposta à radiação solar e cósmica", justifica o pesquisador. A consequência seria, invariavelmente, problemas de saúde como câncer e outras lesões.
Passo para a humanidade
Será que tanto esforço compensa? Os holandeses que fundaram a Mars One apostam que sim. Eles acreditam que o projeto do reality show em Marte vai gerar destaque suficiente na mídia para angariar recursos para boa parte da missão, prevista para acontecer a partir de 2023.
Mesmo com a limitação de não poder trazer os voluntários de volta, já que não há tecnologia para isso, a Mars One tem atraído milhares de pessoas, e há vários brasileiros na lista. O custo estimado para a primeira viagem, com apenas quatro astronautas, é de US$ 6 bilhões. Mas astrônomos sérios são céticos em relação ao projeto.
Levar humanos a Marte, contudo, seria uma conquista e tanto do ponto de vista científico, basta lembrar os avanços que as viagens espaciais trouxeram para o nosso dia a dia, como o micro-ondas e o GPS. Uma pessoa ainda pode ter uma visão bem mais completa do que os diversos robôs que já foram ou ainda irão para lá. Mas será preciso pesar todos os prós e contras de uma missão arriscada como essa.
"É um balanço entre resultados e consequências que teremos de pensar se vale a pena, como humanidade. Mas temos que lembrar que, 500 anos atrás, quando iniciamos as grandes explorações marinhas, viajar para o desconhecido, como fez Cabral e Colombo, era tão perigoso quanto ir à Marte, e, mesmo assim, decidimos que valia a pena e até hoje somos gratos a essa ousadia", conclui Galante.
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