Juliana Zambelo
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
Uma das primeiras atitudes dos pais deve ser conversar sobre o tipo de trabalho que o filho tem em mente |
A entrada no mercado de trabalho é considerada um
passo importante em direção ao mundo adulto. Para muitos jovens brasileiros,
esse avanço acontece ainda durante o ensino médio, antes dos 17 anos, por uma
necessidade de complementar a renda dos pais, enquanto nas famílias com melhor
situação financeira, o passo costuma ser dado somente após a entrada na
faculdade.
A vontade de trabalhar, no entanto, pode surgir
precocemente. Nesses casos, cabe aos adultos tentar compreender qual é a
motivação por trás desse desejo para avaliar se ele deve ser atendido ou adiado
por mais alguns anos.
De acordo com uma alteração na Consolidação das
Leis do Trabalho feita em 2000, crianças e adolescentes de até 14 anos são
proibidos de trabalhar. Entre 14 e 16, o trabalho é permitido apenas na
condição de aprendiz.
Em todos os casos, para qualquer jovem menor de
18 anos, são proibidos trabalhos em condições consideradas insalubres,
perigosas, em período noturno ou em horários que impeçam a frequência à escola.
"É precoce que alguém com menos de 18 anos
comece a trabalhar. É começar a vida de adulto muito cedo. Eles vão trabalhar em
vez de fazerem cursos extracurriculares, se aperfeiçoarem em línguas,
praticarem esportes, que são tão importantes para o lazer e a
socialização."
Para a psicóloga Yvette Piha Lehman,
coordenadora do Laboratório de Estudos sobre o Trabalho e Orientação Profissional
do Instituto de Psicologia da USP, os adolescentes de hoje são superprotegidos
e não conhecem a realidade do mundo adulto. Segundo ela, então, ter acesso a
algumas tarefas fora do ambiente escolar pode ser benéfico.
A psicóloga especializada em
adolescentes Claudia Stella, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São
Paulo, concorda que, para alguns jovens mais maduros, o trabalho a partir dos
16 ou 17 anos pode trazer vantagens. "O adolescente com essa idade pode
passar a olhar as coisas de outra forma, adquirir novas perspectivas",
diz.
Uma das mudanças positivas que podem acontecer está relacionada à questão do
consumo. "Muitos jovens, quando começam a trabalhar, ficam mais conscientes
sobre dinheiro. Percebem como foi difícil ganhá-lo e se questionam se devem
gastar grandes quantias em uma única compra."
Trabalhos pontuais
Quando o filho manifesta o desejo
precoce de trabalhar, uma das primeira atitudes dos pais deve ser conversar sobre
o tipo de trabalho que ele tem em mente.
Segundo Frida, o trabalho em período integral, associado à escola em período
noturno, tem impacto negativo significativo no desenvolvimento dos jovens, pois
diminui o tempo dedicado aos estudos e a quantidade de horas de sono. O novo
ritmo de vida pode prejudicar a capacidade de aprendizado do jovem, enfraquecer
seu sistema imunológico e levar a um aumento de peso. Para a pesquisadora,
estágios que exigem menos horas de dedicação podem ser uma alternativa.
Yvette defende que os adolescentes realizem apenas trabalhos pontuais, que não
atrapalhem suas atividades escolares. "Eles podem fazer companhia a
idosos algumas vezes por semana, pagar contas para alguém, coisas que não são
encaradas como trabalho, mas que têm seu valor."
Independência
O motivo por trás dessa vontade
também deve ser questionado pelos pais. Um dos mais comuns é a busca pela
independência financeira, que, de acordo com Claudia Stella, pode denunciar um
problema nas relações familiares e levar a uma quebra dos vínculos parentais.
"Querer entrar no mercado de trabalho pode ser um movimento de
contraposição aos pais. O jovem pode estar querendo consumir coisas que os pais
acham supérfluas. Pode refletir um desejo de poder dizer para os adultos 'você
não manda em mim, eu compro o que quero porque o dinheiro é meu'. E como a
gente vive em uma sociedade muito capitalista, quem tem o dinheiro tem o
poder", afirma a psicóloga.
Curiosidade
De acordo com a psicóloga Valentina Pigozzi , autora do livro
"Celebre a Autonomia do Adolescente" (Editora Gente), se a motivação
do jovem é conhecer melhor uma área profissional que ele possa ter interesse em
explorar no futuro, esse trabalho pode ser vantajoso.
"Aos 17 anos, a pessoa é obrigada a saber com exatidão o que vai ser na
vida adulta, que trabalho vai executar, junto à ideia de que tem de ser uma
profissão bem remunerada. É uma ansiedade tremenda, então, muitas vezes, esse
tipo de experimentação antes da escolha da carreira é muito positiva",
afirma Valentina.
Para Yvette, essa aproximação com uma área de interesse, no entanto, não
precisa ser feita atrelada a obrigações profissionais. "Se é uma
curiosidade, uma vontade de integração com o mundo adulto, ele pode ir aos
lugares para conhecer, aprender a dinâmica, mas não precisa ser por meio do
trabalho."
Priorizar a escola
Qualquer que seja a ocupação desejada, o jovem deve ser lembrado
constantemente que a escola é sua prioridade.
"O trabalho do adolescente é o estudo. Ele precisa saber que sua principal
responsabilidade é essa e que ele está trabalhando para a sua formação, o seu
fortalecimento", afirma Yvette. A psicóloga reforça que o jovem deve
entender que, se deixar os estudos em segundo plano, a atitude pode
prejudicá-lo na vida adulta.
Supervisão
Se a decisão da família foi permitir que o jovem trabalhe, é
importante que os pais acompanhem o dia a dia do filho nesse novo
ambiente. Claudia Stella, do Mackenzie, aconselha a prestar atenção em
como ele está reagindo ao trabalho. É importante também ajudar o adolescente a
organizar sua nova rotina.
Frida, da USP, afirma que os jovens, de modo geral, não possuem maturidade para
lidar com constrangimentos psíquicos que, normalmente, acontecem no trabalho.
"Eles não estão preparados para enfrentar ambientes muito competitivos,
hostis, de muita pressão. Se já é ruim para o adulto, para o jovem é pior
ainda."
"Quando ele vai para um contexto social mais adulto, vai acabar
enfrentando com mais frequência o lado negativo das atitudes humanas", diz
Valentina, citando chefes abusivos e uma demissão injusta como situações que
podem afetar o adolescente. "Se tiver alguém para orientar nesse momento,
pode criar uma maturidade e uma musculatura que vão ajudar no futuro."
Fonte: BOL Notícias
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