Daniel Mello
Da Agência Brasil, em São Paulo
Quando era professor, Olivio Jekupe precisava provar para os
alunos que tinha conhecimento da disciplina para que os estudantes passassem a
respeitá-lo. "Quando eles duvidavam, eu começava a falar difícil e eles
não entendiam nada", relembra sobre a época em que precisou lecionar para
se sustentar como estudante de filosofia. Hoje, é Olivio que se preocupa com a
preparação dos professores. Na semana em que lança o seu 12º livro de
literatura, o índio guarani defende a difusão das obras escritas por indígenas
como forma de embasar o estudo da história e da cultura desses povos nas
escolas.
"Os
professores vão ter que falar sobre nós. O que eles vão falar? Se não têm
assunto, eles vão falar um monte de besteiras sobre a gente. Então, por isso,
que é importante o surgimento dos escritores indígenas", diz Olivio a
respeito do cumprimento da Lei 11.645 de 2008, que determina a inclusão das
culturas negra e indígena no ensino médio e fundamental.
Nascido em 1965, em Nova Itacolomy,
interior do Paraná, Olivio começou a estudar filosofia em 1988, na PUC
(Pontifícia Universidade Católica) de Curitiba. Morava de favor com uma família
da etnia Kaingang e vendia artesanato para se sustentar. Encorajado pelos
amigos, começou a dar aulas para o ensino fundamental. Com dificuldades
financeiras, veio para a capital paulista, para estudar gratuitamente na USP
(Universidade de São Paulo).
Apesar de ter investido mais quatro anos na filosofia, não conseguiu concluir o curso. "Vim para a USP porque era de graça, mas piorou, ficou mais caro, porque na USP o curso de filosofia é muito pesado. Na USP você tem que ler muito e gasta em tudo", lamenta.
Olivio permaneceu
na cidade e se consolidou como escritor. Atualmente, não só escreve, como
incentiva outros índios nos rumos da literatura. Assim, ele acredita que vai
conseguir derrubar as mentiras que foram ditas contra os povos da terra ao
longo dos últimos séculos. Inverdades concretas nos monumentos que adornam a
cidade de São Paulo.
"É um absurdo. Você passa em Santo
Amaro e vê o [bandeirante] Borba Gato. Depois tem o [bandeirante] Anhanguera. A
história mostra que eles eram grande heróis porque matavam índios"
reclama. "É por isso que a literatura [feita pelo] índio aos poucos vai
chegando e os escritores indígenas vão começar a desmascarar essa coisa".
Adaptação aos novos tempos
Morador da aldeia guarani Krukutu, em
Parelheiros, extremo sul da capital paulista, Olivio conta que ao montar a sua
última coletânea, As Qeixadas e Outros Contos Guarani, incluiu entre os escritores
até mesmo a própria mulher, que é analfabeta. Segundo ele, uma forma de adaptar
os contadores de história guarani aos novos tempos. "Havia os índios com o
dom de guardar as histórias na cabeça, não é todo mundo que tem esse dom".
Para ele, a incorporação dos saberes e das
tecnologias dos brancos é uma maneira de defender a cultura dos povos
tradicionais. "Quando não tinha nada disso, eles falavam que o índio é
atrasado. Quando a gente começa a pegar tudo isso, eles falam que o índio é
aculturado, que está perdendo a cultura. Não, não está perdendo. Essas coisas
que a gente usa hoje são uma forma de defesa", disse na entrevista, que
foi marcada pelo Facebook.
Língua e religião
Segundo o escritor, as bases da cultura
indígena são a língua e a religião. Se isso for mantido, todo o resto pode ser
usado para fortalecer a comunidade. Ele compara o uso das tecnologias pelos
índios à maneira como os brancos se apropriaram dos saberes tradicionais dos
índios, como a farinha de mandioca, a pamonha e o hábito de dormir em redes.
"A tecnologia que os brancos inventaram a gente tem que usar para o bem.
Assim como os brancos pegaram muita coisa dos índios e não fez mal",
enfatiza. "Temos computador, tem gente com celular, tem gente com
Facebook, com e-mail. Hoje, a gente usa tudo isso, às vezes melhor do que os
brancos".
Olivio explica que, além da literatura
indígena, a aldeia tem outras ações para difundir a cultura guarani. "A
gente tem um coral. A escola que quiser é só entrar em contato com a gente, que
nós vamos até a escola, damos uma palestra e fazemos uma apresentação do coral
para as pessoas entenderem como é a música guarani", ressalta, sobre o
trabalho que é gerido pela associação da comunidade.
A organização jurídica formal foi a maneira
encontrada pelos moradores da Krukutu de fortalecer a liderança tradicional do
cacique e também garantir autonomia da aldeia, poder tratar dos próprios
negócios sem intermediação da Funai (Fundação Nacional do Índio).
Fonte: noticias.bol.uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário